terça-feira, agosto 01, 2006

Fracasso de Doha, impacto para quem?

Manoela Roland e Maurício Santoro*
A Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC) foi interrompida nesta semana sem perspectiva de retomada. A imprensa brasileira afirma que o país será muito prejudicado pelo fracasso das negociações. No entanto, uma análise mais serena aponta para perdas concentradas no agronegócio e lança o questionamento sobre o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.
Debate sobre o fracasso
Na interrupção da Rodada Doha houve um entrave na chamada “negociação triangular”, na qual se esperava queda de tarifas de importação de produtos agrícolas (União Européia); diminuição dos subsídios rurais (Estados Unidos) e redução dos impostos a bens industrializados (países em desenvolvimento). A UE aceitou reduzir suas tarifas agrícolas em 51,5%, muito abaixo dos 71% pedidos pelos países em desenvolvimento. Mas a grande responsabilidade pelo malogro recaiu sobre os EUA, que concordaram com a diminuição de apenas US$ 3 bilhões em seus subsídios, que continuariam na faixa dos US$ 20 bilhões anuais. O impacto desse fracasso para o Brasil pode ser medido a partir de diferentes prismas. O agronegócio estima que deixará de ganhar US$ 10 bilhões por ano. As vendas do setor para o exterior foram de US$ 46 bilhões em 2005, quase 40% do total de US$ 118, 3 bilhões das exportações brasileiras.
Porém, do ponto de vista da geração de empregos e da produção de alimentos para o mercado interno, não houve estrago. A agricultura familiar é responsável pela base alimentar do país: leite, milho, feijão, café e mandioca. A liberalização comercial mais ampla nesse mercado poderia ter impacto negativo para a população rural, que teria dificuldade em competir com as grandes empresas, no Brasil e nos países mais pobres, como os da África.
Outra questão é a avaliação sobre a vinculação da Rodada Doha com o modelo de desenvolvimento agroexportador. Segundo avaliação do próprio secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, a ênfase no agronegócio torna o Brasil vulnerável no mercado internacional, dependente de produtos de baixo valor agregado e cujos preços oscilam muito a cada ano. O setor é marcado pela concentração de renda e pelos prejuízos socioambientais impostos à população pobre das áreas rurais.
G-20 e Multilateralismo
A Rodada Doha foi lançada em dezembro de 2001, poucos meses após os atentados do 11 de setembro. As negociações foram pensadas como resposta ao terrorismo, para oferecer possibilidades de desenvolvimento aos países mais pobres. Mas os compromissos sociais se limitaram à retórica e, desde então, o que se viu nos debates foram as usuais disputas das grandes empresas multinacionais por mercados.
Em 2003, na Conferência Ministerial de Cancún, Brasil e Índia lançaram uma coalizão de países do sul em busca de regras mais justas na OMC. Conhecida como G-20, a aliança teve sucesso em deter a agenda que vinha sendo imposta por EUA, União Européia e Japão e despertou esperanças de novos rumos para a Rodada Doha. De fato, o G-20 realizou importantes negociações com países muito pobres, como o chamado “Clube do Algodão” da África (Benin, Burkina Fasso, Chade, Mali) e iniciou esforços para ampliar o processo de tomada de decisões na OMC – marcado por uma estrutura de concentração de poder e pouca transparência de informações. Mas também sofreu críticas de movimentos sociais, que chamam a atenção para a necessidade de abandonar a prioridade ao agronegócio e se concentrar na proteção à agricultura familiar, setor mais prejudicado pela liberalização comercial internacional. Houve preocupações de que o G-20 cedesse demais em áreas como bens manufaturados e serviços, em troca de oportunidades de lucros para a agroexportação. Diplomatas e autoridades do governo brasileiro que participaram das negociações na OMC ressaltam que, apesar dos problemas, a organização oferece possibilidades importantes para o Brasil, criando regras comerciais que são alternativas à ação unilateral dos países ricos. A OMC foi fundamental para vitórias comerciais do Brasil em disputas envolvendo algodão, gasolina e aviação. Como afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim: “Não há vida civilizada fora do multilateralismo.” A tendência é que o Brasil busque opções para o crescimento do comércio exterior pelo reforço de acordos com outros países em desenvolvimento, prosseguindo negociações com África do Sul, Índia e China. Há poucas perspectivas de mudanças em 2007 porque os dois países mais protecionistas estarão em campanhas política – eleições parlamentares nos Estados Unidos e disputa presidencial na França.

*pesquisadora e pesquisador do Ibase Publicado em 28/07/2006.

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