quinta-feira, fevereiro 23, 2006

A MP 281 Reforça os Privilégios da Renda do Capital

I – Principais Itens da MP
O governo editou a Medida Provisória (MP) 281, em 15 de fevereiro de 2006, reduzindo a zero as alíquotas de Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) para investidores estrangeiros no Brasil. As operações beneficiadas pela MP às cotas de fundos de investimentos exclusivos para investidores não-residentes, que possuam no mínimo 98% de títulos públicos federais. A MP exclui do benefício tributário os residentes ou domiciliados em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20%, chamados paraísos fiscais. Também não se aplica a isenção tributária a títulos adquiridos com o compromisso de revenda assumido pelo comprador.
A MP isenta os rendimentos obtidos por não residentes provenientes da remuneração de capital aplicado em títulos públicos federais, inclusive aquela produzida por títulos de renda variável, tais como juros, prêmios, comissões, ágio, deságio e participações nos lucros, bem como os resultados positivos auferidos em aplicações nos fundos e clubes de investimentos (alínea “a” do § 2º do art. 81 da lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995).
O art. 3º da MP 281/2006 reduz a zero à alíquota do IR sobre os rendimentos auferidos por investidores estrangeiros nas aplicações em fundos de investimentos em empresas emergentes (conhecido no jargão financeiro como “venture capital”). Esses fundos terão de ter uma carteira composta por, no mínimo, 67% de ações, debêntures conversíveis em ações e bônus.
A MP também isenta de CPMF os investidores nacionais e estrangeiros que comprarem ações provenientes de ofertas públicas, registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), realizada fora dos recintos ou sistemas de negociação de bolsa de valores (emissões primárias de ações).
Os investidores estrangeiros têm até o 31/08/2006 para antecipar o pagamento do IR incidente sobre os rendimentos auferidos com aplicações em títulos públicos possuídos no dia útil anterior a data de publicação da MP (§3º, do art. 1º), ficando os rendimentos auferidos a partir da data do pagamento do IR sujeitos ao benefício da alíquota zero.
II – Breves considerações e estimativa da Renúncia Fiscal
O principal benefício tributário constante da MP é a redução da alíquota de 15% para 0% sobre rendimento das aplicações dos investidores estrangeiros em títulos públicos federais, bem como a isenção da CPMF nessas operações. Estima-se que a renúncia tributária, neste caso, poderá atingir o montante R$ 277 milhões, conforme demonstrado na tabela abaixo.

Descrição
Valor em R$ milhões

Investimento Estrangeiro em Renda Fixa (1)
8.555,35

Estimativa de Rendimento do Investimento (2)
1.628,94

IR incidente sobre o rendimento (3)
244,34

CPMF (0,38%) sobre Investimento
32,51

Renúncia Estimada
276,85

Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Unafisco Sindical

Notas:


1) Estoque de investimento estrangeiro em aplicações de renda fixa, em 31/12/2005, conforme Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

2) Considerando o rendimento pela Selic Média anual de 2005 = 19,04%

3) Considerando a alíquota de 15%, conforme art. 29 da IN-SRF 208/2002



Com a MP 281 e a criatividade do mercado financeiro é possível que o dinheiro de brasileiro seja remetido para o exterior e retorne sob a forma de aplicações financeiras em nome de terceiros (não residentes), beneficiando-se da isenção de IR e da CPMF.
A MP 281 pode contribuir para estimular a “lavagem de dinheiro” pelos residentes no Brasil, por meio de remessas de recursos financeiros para fora do país. Em primeiro lugar, a remessa é feita a paraísos fiscais como forma de ocultar o verdadeiro proprietário do capital, constituindo com esses recursos uma empresa offshore. Esta empresa, situada em um paraíso fiscal, por sua vez, poderá realizar a remessa de recursos financeiros para um terceiro país, que não seja paraíso fiscal e a partir dele, retornar os recursos como investimento de estrangeiros no Brasil, beneficiando-se da isenção de IR e da CPMF previstos na MP 281. Assim, caso o recurso fosse aplicado como de propriedade de brasileiros existiria o pagamento de Imposto de Renda, mas com o “passeio” do dinheiro pelo exterior e o seu retorno na forma de aplicação em títulos públicos federais ficará isento do imposto. Portanto, a MP poderá ser um incentivo para evasão e elisão fiscal e para legalizar dinheiro obtido de forma ilícita.
A atual legislação tributária já trata de forma benevolente a renda do capital comparativamente a dos trabalhadores, ferindo a isonomia tributária entre as diferentes espécies de renda, conforme a Constituição Federal. A legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital, que são tributados com alíquotas inferiores aos demais rendimentos. A partir da edição da MP, ocorrerá tratamento diferenciado do ganho de capital de estrangeiro e de residentes no Brasil. Os rendimentos de aplicações financeiras dos nacionais são tributados exclusivamente na fonte, pagando alíquotas de IR que variam de 15% a 22,5% (dependendo do prazo da aplicação financeira). Ressalta-se que esses rendimentos não estão sujeitos à progressividade e acabam sendo tributados apenas proporcionalmente, enquanto os rendimentos do trabalho sofrem uma incidência progressiva de 15% a 27,5%.
A MP agrava as injustiças do sistema tributário brasileiro. Hoje o Estado brasileiro é financiado pelos trabalhadores assalariados e pelas classes de menor poder aquisitivo, que são responsáveis por 64% das receitas com impostos e contribuição arrecadados pela SRF. A população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta: 52% da arrecadação federal advêm de impostos cobrados sobre o consumo, ou seja, 10% do PIB. Os trabalhadores brasileiros recolheram em imposto de renda (IRPF mais IR sobre a renda do trabalho), em 2005, 12% da receita federal (exceto previdência), equivalendo a 2,3% do PIB. Esse excesso de arrecadação mostra que a MP reforça os privilégios tributários concedidos nos últimos anos às rendas do capital. No Brasil, a tabela do Imposto de Renda já chegou a isentar de imposto trabalhadores com renda de até 10,5 salários mínimos, em 1995, hoje isenta do imposto sobre a renda somente os rendimentos abaixo de 4,2 salários mínimos.
É irônica a legislação tributária brasileira. Ela define como paraíso fiscal aquele “país que não tributa a renda ou que a tributa à alíquota máxima inferior a 20%” (art. 24, lei 9.430/1996). Entretanto, os rendimentos sobre o capital auferidos no Brasil são tributados a alíquotas, na maioria das vezes, inferiores a 20%, e a partir da MP 281 a renda do capital estrangeiro será isenta. Portanto, a legislação atual, reforçada pela edição da MP, faz do Brasil um paraíso fiscal do capital.


Brasília, 17 de fevereiro de 2006.


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Documento elaborado pelo UNAFISCO SINDICAL – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – Depto. de Estudos Técnicos.

BOLETIN TECNICO DA UNAFISCO de 20/02/2006
www.unafisco.org.br/texto_assuntos.php?ID=361

É permitida a reprodução deste texto e dos dados neles contidos, desde que citada a fonte.

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